CAPÍTULO II

PROCESSO REVOLUCIONÁRIO

36. DIREITO À EDUCAÇÃO

À data do 25 de Abril de 1974, a situação da educação em Portugal, espelhava bem a imagem do fascismo, na sua mais odienta manifestação anti-social:

- Educação infantil - praticamente inexistente (abrangendo apenas 6% das crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 6 anos, parte em estabelecimentos escolares privados, onde as mensalidades eram elevadas e parte em estabelecimentos oficiais com carácter predominantemente assistencial);

- Ensino base - com 6 classes (obrigatório, em princípio, até aos 14 anos) e constituído pelo ensino primário elementar (4 classes) mais 2 anos (ensino primário complementar, ciclo preparatório TV e ensino preparatório directo). Os 5º e 6º anos de ensino base, apesar de obrigatórios, eram cumpridos apenas 65%.

- Ensino secundário - com duas vias: o ensino liceal e o ensino técnico-professional, exibindo uma taxa de escolarização neste grau de ensino de 25%, a mais baixa da Europa;

- Ensino superior - apenas 418 em cada 100.000 habitantes frequentavam o ensino superior.

Esta situação, encontra-se bem documentada no ANEXO XI.

Começou a ser alterada de imediato, com a institucionalização da gestão democrática das escolas, logo em Dezembro de 1974. As escolas, as organizações populares de base, as colectividades de cultura e recreio e a população em geral levaram a cabo uma autêntica revolução no ensino em Portugal, que viria a ficar consagrada na Constituição da República Portuguesa de 1976:

“Artº 73º, nº1 - Todos têm direito à educação e à cultura.

“Artº74º, nº3 - Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:

a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;

b) Criar um sistema público de educação pré-escolar;

c) Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo;

d) Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados de ensino, da investigação científica e da criação artística;

e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;

f) Estabelecer a ligação do ensino com as actividades produtivas e sociais;

g) Estimular a formação de quadros científicos e técnicos originários das classes trabalhadoras.”

(11 Julho de 1975) - Reforma do Ensino Superior (DL 363/75)

Transcreve-se o preâmbulo do Diploma:

“Nos últimos meses foram consideráveis os avanços verificados no processo revolucionário em Portugal. À medida, porém, que o povo português vai avançando na via do socialismo, faz-se sentir uma maior necessidade de contôle democrático sobre todo o sistema de produção material e cultural, de modo a fazê-lo funcionar harmonicamente ao serviço da revolução socialista.

Este contrôle democrático efectiva-se fazendo participar nos centros de decisão os representantes do povo trabalhador, quer através das estruturas sindicais, quer através das estruturas representativas dos interesses nacionais e regionais. Só esta participação de representantes dos interesses sociais gerais na direcção das instituições de carácter económico, social ou cultural, combinada com a intervenção estadual, pode garantir uma perfeita integração dos planos de actividade destas instituições no projecto político global e impedir o desenvolvimento de tendências autárquicas e dispersivas de meios humanos e financeiros.

É agora possível tornar aplicáveis estes princípios ao governo das Universidades e demais estabelecimentos de ensino superior, dando assim os primeiros passos, ainda ténues, por certo, no sentido de um sistema de gestão socialista da escola. Ao mesmo tempo, começando deste modo a lançar-se as bases de uma efectiva intervenção das classes trabalhadoras nos centros de decisão dos estabelecimentos de ensino superior e, portanto, a ficar minimamente assegurada a integração política pedagógica, cultural e científica destes estabelecimentos num projecto revolucionário para o País - é possível dar à autonomia universitária um conteúdo novo e progressista.

Esta presença directa dos representantes das organizações dos trabalhadores e dos interesses nacionais e regionais nos órgãos de governo das Universidades é particularmente importante enquanto se não conseguir modificar sensivelmente a composição social da população universitária, hoje substancialmente oriunda das classes privilegiadas.

No entanto, também neste domínio se torna urgente a adopção de medidas que permitam o acesso das classes trabalhadoras à educação e à cultura, nomeadamente de nível superior. O sentido destas medidas não pode limitar-se a um princípio de igualdade formal de oportunidades, mas tem de incluir uma estratégia compensatória orientada no sentido de favorecer os trabalhadores–estudantes, através de vias especiais e mais rápidas de acesso, de concessão de bolsas e de outros benefícios sociais e de regimes especiais de trabalho escolar.

Não basta, porém, que o povo trabalhador esteja presente nos centros de decisão e nos bancos das Universidades para que se possa falar de um projecto socialista para a Universidade. É ainda necessário que o progresso económico, social e cultural das classes trabalhadoras- condição para o estabelecimento de uma sociedade realmente democrática - seja o primeiro objectivo da política universitária e que a vida na Universidade decorra de modo a incutir nos estudantes o respeito pelo trabalho intelectual e manual socialmente útil, a desenvolver o espírito de dedicação às tarefas colectivas e a formar cidadãos empenhados nas tarefas revolucionárias.

Daqui resulta o imperativo de criar condições para que as escolas do ensino superior se convertam em lugares de trabalho efectivo de professores e estudantes, lugares em que o ócio, o oportunismo, a indisciplina e outras formas condenáveis de individualismo sejam denunciadas como contra-revolucionárias e definitivamente banidas. Trabalho efectivo que deve ter finalidades marcadamente sociais, de modo que os planos pedagógicos estejam intimamente ligados às actividades produtivas do País, permitam utilizar a capacidade criadora das escolas na prestação de serviços à comunidade e visem proporcionar aos cidadãos que nelas se formam, a preparação de nível superior adequada à missão nacional de promover o pleno desenvolvimento económico, político e cultural do nosso povo numa perspectiva socialista.”

José Emílio da Silva, coronel de Engenharia, Presidente do Conselho Fiscal da ACR e seu membro fundador, foi um destacado militar de Abril tendo integrado a Junta Governativa de Angola, no pós 25 de Abril de 1974. Foi Ministro da Educação dos IV e V Governos Provisórios. Foi também Presidente do CA da RTP.