CAPÍTULO II

PROCESSO REVOLUCIONÁRIO

39. DEVOLUÇÃO DOS BALDIOS

Aquilino Ribeiro com o seu imortal romance “Quando os lobos uivam” dá-nos conta da imensa desgraça que se abateu sobre as populações rurais do nosso país desapossadas dos baldios pelo Estado fascista e da repressão, sem dó nem piedade, de todos quantos ousaram opor-se-lhe.

A forçada florestação da Serra dos Milhafres, serve de cenário para um retrato completo da imensa teia de compromissos, corrupção, prepotência e inclemência para com os mais desprotegidos, que caracterizava o Estado fascista.

Em 25 de Abril de 1974, pela mão deste grande mestre da literatura portuguesa, os Louvadeus, os Dr. Rigoberto e todo o povo serrano estiveram lá, no Rossio, no Carmo e em todo o lado, aninhados nos sonhos dos militares de Abril.

(19 Janeiro de 1976) - Devolução dos baldios às comunidades que deles foram desapossadas pelo Estado fascista (DL 39/76)

Podemos ler no diploma:

“A entrega dos terrenos baldios às comunidades que deles foram desapossadas pelo Estado fascista corresponde a uma reivindicação antiga e constante dos povos e vem concretizar uma intenção repetidas vezes anunciada pelos vários Governos que se têm sucedido depois do 25 de Abril de 1974.

No momento em que se põem em prática os fundamentos de uma política de reforma agrária orientada para objectivos sociais precisos - destruição do poder dos grandes agrários e dos diversos mecanismos de afirmação desse poder; apoio aos pequenos agricultores e operários agrícolas; estímulo às formas locais e directas de expressão e organização democrática que permitam aos trabalhadores do campo avançar no contrôle do processo produtivo e dos recursos naturais -, importa que a entrega dos terrenos baldios se processe por forma a integrar-se no quadro daquela política.

Assim, pretendeu-se associar concretamente à restituição dos terrenos baldios a institucionalização de formas de organização democrática local, a que são reconhecidos amplos poderes de decisão e deferidas amplas responsabilidades na escolha do próprio modelo de administração. E também aí se adoptou a orientação mais aberta e antiburocrática, mediante a admissão de uma forma de administração autónoma em que são reduzidas ao mínimo os limites traçados à área de afirmação da vontade das assembleias locais.”

(19 Janeiro de 1976 ) - Declara anuláveis as transmissões de baldios a particulares (DL40/76)

Podemos ler no diploma:

“Define o Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de Janeiro, um baldio como um terreno insusceptível de apropriação individual, usufruído colectivamente por uma comunidade segundo o direito que lhe é conferido pelos usos e costumes e que a cada geração compete transmitir, sem perda de usufruto, às gerações que se lhe seguem.

De acordo com este princípio, considera o referido diploma a devolução às respectivas comunidades dos baldios em que o Estado definira formas de aproveitamento e que se encontravam na sua posse.

Para além da acção do Estado desenvolvida nas últimas décadas, viram ainda as comunidades os seus baldios serem indevidamente apropriados por particulares, sempre em resultado da corrupção de um regime que, no compadrio e no favor político, jogou o próprio património dos povos.

Torna-se pois imperioso, como acto elementar de justiça, adoptar as medidas que permitam a devolução aos legítimos utentes dos baldios, dos bens e direitos de que assim foram espoliados.

No presente diploma define-se a doutrina que orientará as acções a desenvolver para a recuperação dos baldios, dando-lhes a necessária cobertura legal.

Contemplou-se, contudo, sem grande ofensa do princípio formulado, a salvaguarda dos casos em que o aproveitamento de terreno baldio teve em vista edificações que na maior parte dos casos foram obra de vizinhos de fracos recursos ou para fins agrícolas, comerciais ou industriais de manifesto interesse para a economia local.

Outro aspecto de realce é o da constituição de comissões de representantes dos povos e do Estado, que, presididas pelo juiz da comarca, julgarão, segundo a equidade, as questões ligadas à recuperação dos baldios, criando-se assim um processo célere de apreciação, sem prejuízo da defesa dos interessados e com a obtenção da prova mais directa e próxima da realidade factual em que se enquadra a situação a apreciar.”