CAPÍTULO II

PROCESSO REVOLUCIONÁRIO

45. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

(02 Abril de 1976) - Promulgação da Constituição da República Portuguesa para entrar em vigor em 25 Abril de 1976

Até esta data, a prática política dos Governos Provisórios, vinculados ao Poder Revolucionário, foi guiada pelo Programa do Movimento das Forças Armadas, tornado Lei Fundamental da Nação Portuguesa pela Lei nº3/74 de 14 de Maio.

O decreto de aprovação da Constituição da República Portuguesa de 1976 foi assinado pelo Presidente da Assembleia Constituinte, Henrique Teixeira Queiroz de Barros e foi promulgado pelo Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.

No Preâmbulo, pode ler-se:

“A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.

Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.

A Revolução restituiu aos portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País.

A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.”

Os primeiros 11 Artigos da Constituição são dedicados aos princípios fundamentais, que, pela sua importância, se transcrevem:

«Princípios Fundamentais»

Artigo1º
(República Portuguesa)

Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.

Artigo 2º
(Estado democrático e transição para o socialismo)

A República Portuguesa é um Estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democráticas, que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras.

Artigo 3º
(Soberania e legalidade)

1. A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.

2. O movimento das Forças Armadas, como garante das conquistas democráticas e do processo revolucionário, participa, em aliança com o povo, no exercício da soberania, nos termos da Constituição.

3. Os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional e da democracia política.

4. O Estado está submetido à Constituição e fundamenta-se na legalidade democrática.

Artigo 4º
(Cidadania portuguesa)

São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional.

Artigo 5º
(Território)

1. Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira.

2. O Estado não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce, sem prejuízo de rectificação de fronteiras.

3. A lei define a extenção e o limite das águas territoriais e os direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos.

4. O território de Macau, sob administração portuguesa, rege-se por estatuto adequado à sua situação especial.

Artigo 6º
(Estado unitário)

1. O Estado é unitário e respeita na sua organização os princípios da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.

2. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos próprios.

Artigo7º
(Relações internacionais)

1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do direito dos povos à autodeterminação e á independência, da igualdade entre os Estados, da não ingerência nos assuntos internos dos outros povos para a emancipação e o progresso da Humanidade.

2. Portugal preconiza a abolição de todas as formas de imperia-lismo, colonialismo e agressão, o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

3. Portugal reconhece o direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão, nomeadamente contra o imperialismo, e manterá laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa.

Artigo 8º
(Direito internacional)

As normas e os princípios do direito internacional regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua pu-blicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado

Artigo 9º
(Tarefas fundamentais do Estado)

São tarefas fundamentais do Estado:

a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que o promovam;

b) Assegurar a participação organizada do povo na resolução dos problemas nacionais, defender a democracia política e fazer respeitar a legalidade democrática;

c) Socializar os meios de produção e a riqueza, através de formas adequadas às características do presente período histórico, criar as condições que permitam promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo, especialmente das classes trabalhadoras, e abolir a exploração e a opressão do homem pelo homem.

Artigo 10º
(Processo Revolucionário)

1. A aliança entre o Movimento das Forças Armadas e os partidos e organizações democráticas assegura o desenvolvimento pacífico do processo revolucionário.

2. O desenvolvimento do processo revolucionário impõe, no plano económico, a apropriação colectiva dos meios de produção.

Artigo 11º
(Símbolos nacionais)

1. A Bandeira Nacional é a adoptada pela República instaurada pela Revolução de Outubro de 1910.

2. O Hino Nacional é A Portuguesa.

Seguem-se 280 Artigos, organizados em Quatro Partes (I-Direitos e deveres fundamentais, II-Organização económica, III-Organização do poder político e IV-Garantia e revisão da Constituição) e 21 Artigos de Disposições finais e transitórias.

As liberdades conquistadas em 25 de Abril de 1974 e o compromisso histórico do MFA, que o PMFA consubstancia, bem como as conquistas da revolução nascidas da criatividade, vigor e força revolucionária do povo, ali se encontram, todas, em forma de LEI FUNDAMENTAL.

As sete revisões constitucionais a que foi sujeita a Constituição da República Portuguesa de 1976, foram outras tantas investidas contra as Conquistas da Revolução: contra a Reforma Agrária, contra as nacionalizações, contra os direitos dos cidadãos à educação, à saúde, etc. Todas para retirar “pedaços de Abril” a este texto mag-nífico que fomos capazes de fazer, em total liberdade, como guia maior da nossa vivência colectiva e da nossa relação com todos os povos do Mundo.

Tudo isto tem responsáveis, por acção, por conivência e até por omissão. Mas o que mais há para realçar, é a crueldade histórica de assistirmos ao desenrolar da acção em que alguns carrascos, o são, dos sonhos dos próprios pais.

Apesar do muito de que foi espoliada, a CRP de 1976 é ainda a Constituição de Abril e é precisamente por isso que ainda constitui um obstáculo às pretensões dos inimigos de Abril.

Senão, vejamos:

O preâmbulo que transcrevemos acima e que ainda se mantém, diz claramente: “A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de… assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista,…” Em 38 anos de governo do PS, do PSD e do CDS, o caminho foi sistematicamente o contrário, ou seja, destruir tudo o que pudesse apontar para aquele objectivo e permitir, e mesmo incentivar, a reconstituição dos grandes grupos capitalistas até à obscena situação actual de sermos em simultâneo, o país que tem um dos maiores índices de pobreza e uma das maiores densidades de grandes fortunas de toda a Europa. Um caminho claramente fora da Lei Fundamental.

Um outro exemplo: o Artigo 7º, também transcrito atrás, refere que Portugal preconiza a “dissolução dos blocos político-militares”. Como se compreende que a actual Conceito Estratégico de Defesa Nacional, defenda precisamente o contrário e preconize o reforço do nosso empenho na NATO? Um caminho claramente fora da lei Fundamental.

Muitos outros exemplos, se poderiam dar, até com “chumbos” do Tribunal Constitucional, como aconteceu recentemente com alterações do Código do Trabalho, mas o que importa reter é que a actual Constituição ainda é “A Constituição de Abril”, sendo todas as lutas pelo seu cumprimento, lutas legítimas por Abril. Quem a não respeita e não a cumpre é que está fora da lei.