CAPÍTULO III

DEPOIMENTOS

Tal como referimos nas primeiras páginas apresentamos a seguir depoimentos desenvolvidos por dirigentes da ACR/Associação Conquistas da Revolução sobre temas relacionados, quer com a luta antifascista, próxima do 25 de Abril, quer sobre outras questões pouco referidas nos diplomas legais cuja divulgação, 40 anos depois, nos apraz reforçar.

DESCOLONIZAÇÃO - A Guiné, o 25 de Abril e o reconhecimento da sua independência.

Duran Clemente, fundador e dirigente da ACR.

I - Introdução

A ideia lançada de que a “revolta dos capitães” começou na Guiné não merece discussão. Têm tanta razão os que a defendem como os outros. A revolta começou em cada um de nós, o espaço não foi temporal nem fisicamente circunscrito a uma qualquer latitude, mas de facto a Guiné marcou muito os militares e era ressonante o seu efeito como um vulcão de conflitos e desafios.

Efectivamente na Guiné viviam-se tempos favoráveis à reflexão e ao debate. De forma mais aberta ou mais reservada a contestação convivia com a humidade e o calor tropicais. Seria injusto não reconhecer a quota-parte que se deve à personalidade do General Spínola na criação desse ambiente. As circunstâncias fizeram o resto; tornaram a colónia da Guiné um laboratório de experiências e de vivências particulares. Muito pelo seu clima, muito pelo seu tamanho, muito pelo abandono do colonizador e bastante pela forma de actuação do PAIGC e do seu líder Amílcar Cabral, cujo pensamento nos apaixonou e guiou a partir de certa altura.

Talvez se deva considerar, como primeira pedrada no charco, na Guiné- Bissau, a reacção e repúdio dos Oficiais do Quadro Permanente ao “Congresso dos Combatentes do Ultramar”. Almeida Bruno, Dias de Lima, Monge, Otelo S. Carvalho e outros, puseram ao corrente o general Spínola do descontentamento que se apoderou dos Oficiais em geral. Tratava-se dum Congresso, que mais não era do que uma encenação do governo com o aproveitamento de antigos oficiais milicianos, que desde 1961 haviam cumprido comissões militares no Ultramar. Esse descontentamento chegou a Lisboa pela via hierárquica mas não só. Chegou também a Ramalho Eanes, Hugo dos Santos e a Vasco Lourenço, que encabeçavam na Metrópole, um vasto movimento de protesto.

Quatrocentas assinaturas de Oficiais do Q.P., assinaram em Bissau, protesto idêntico ao ocorrido no Continente. Um telegrama de Bissau foi enviado para o Porto, onde se realizaria o dito evento (de 1 a 3 de Junho de 1973) assinado por Marcelino da Mata e Rebordão de Brito (oficiais naturais da Guiné, ambos com a “Torre e Espada”) com o seguinte texto:

“Os oficiais do Q. P. Em serviço no teatro de operações da Guiné:

1. Não aceitam outros valores nem defendem outros interesses que não sejam os da Nação;

2. Não reconhecem aos organizadores do I Congresso dos Combatentes do Ultramar, e portanto ao próprio Congresso, a necessária representatividade;

3. Não participando nos trabalhos do Congresso, não admitem que pela sua não participação sejam definidas posições ou atitudes que possam ser imputadas à generalidade dos combatentes;

4. Por todas as razões formuladas se consideram e declaram totalmente alheios às conclusões do Congresso, independentemente do seu conteúdo ou da sua expressão.”

A este propósito no seu livro “Alvorada em Abril” é com oportunidade que Otelo afirma a págs. 114: “Esta autêntica manifestação colectiva poderia ter constituído um sério sinal de alerta para o Regime“ que conclui o parágrafo dedicado ao Congresso, dizendo ainda “os jovens leões rugiram, mansos, a princípio. Ganhando consciência da sua força, foram deitando as garras de fora e, rugindo mais forte, lançaram-se ao ataque. A partir daí, quem poderia realmente travar o seu desenfreado galope?”.

Estava pois criado o ambiente e lavrado o terreno para o que viria a seguir.

II - A Conspiração

Na sua viagem para Bissau a 28 de Julho de 1973, Duran Clemente, viria a escrever mais tarde no livro “30 anos do 25 de Abril - Jornadas de reflexão” (edição Casa das Letras/2005):

“O meu companheiro de viagem e de lugar no avião, que então me levou para a Guiné, foi o Capitão Piloto-Aviador Pinto Ferreira. Ainda que contemporâneos na Academia Militar (1961/64) já não nos víamos há muitos anos. Fixava-me com olhar inquieto. Estava do lado da janela e nunca olhou o céu. Regressava após meses antes, ao seguir atrás do “Fiat” do seu comandante, Ten.Coronel Alves Brito, assistir ao desintegrar do avião em estilhas e chamas. Escapou porque ao ver o reflexo, de algo vindo do solo, guinou instintivamente o seu “Fiat” (avião-parelha) que conduzia. Foi isto que me contou, acrescentando em desabafo: “vai ser difícil esquecer”.

Na noite do dia 29 de Julho reuniram-se os oficiais a seguir designados no Agrupamento de Transmissões, depois de jantar: Capitão Jorge Sales Golias (Eng.Transmissões) e 2º Comandante do Agrupamento de Transmissões da Guiné, Capitão Manuel Duran Clemente (Administração Militar) e 2º Comandante do Batalhão de Intendência da Guiné, Capitão Carlos Matos Gomes (Comando) e 2º Comandante do Regimento de Comandos da Guiné, Capitão Jorge Alves (Eng.FA), Capitão José Tavares Coutinho (Eng Transmissões) e Capitão Miliciano José Manuel Barroso, sobrinho de Mário Soares, em serviço no Comando Chefe próximo do Gabinete do General António Spínola Governador da Colónia. A reunião moveu-se pela curiosidade em ser lido o documento (exposição/requerimento) entregue por Duran Clemente à hierarquia militar (40 páginas de papel selado) e que pelo seu teor de manifesto contestatário (e pelo facto do ter distribuído em Aveiro, em 8 de Abril, pelos congressistas da Oposição Democrática, onde esteve) tinha levado aquele capitão até Bissau.

Estavam este e outros militares muito preocupados com a situação nacional e com o uso dos oficiais do Q.P. (Quadros Permanentes). Havia a nítida noção de que estes estariam a tomar consciência, missão após missão, do logro em que os tinham metido. Mas era lento e doloroso o processo. Desta reunião resultou a criação de um “núcleo dinamizador” (António Spínola uns anos mais tarde apelidou-o de “célula soviética” no seu Portugal sem Rumo) que nunca mais se desintegrou e funcionou curiosamente até ao dia da liberdade. Constituiria prioridade, desse núcleo, editar um documento a distribuir por todos os oficiais das FFAA, no sentido de os sensibilizar, para o que se estava a passar, nos mais diversos aspectos e sectores da vida do país. Distribuíram-se tarefas. Cada um encarregava-se de uma matéria específica. Na reunião seguinte refletir-se-ia sobre a forma de fazer chegar a informação aos Camaradas militares, Oficiais do Q.P., onde quer que se encontrassem, nas Colónias ou na Metrópole. “Como obter os endereços de todos?” Era um dos desafios. Não foi preciso.

Graças à publicação do celebérrimo Decreto-Lei nº. 353/73 que facultava a “entrada de oficiais do Quadro Especial de Operações no Quadro Permanente através de curso intensivo na Academia Militar” os acontecimentos precipitam-se. A questão era saber aproveitar o facto. Assim o fez este núcleo dinamizador e agora, muito mais animados. Não se podia perder a oportunidade. Por isso, na segunda reunião, valeu a concentração na criatividade de acção possível para servir uma estratégia colocada em andamento. Não mais pararia.

Ainda não se conhecia bem o conteúdo do referido diploma. Constava que se aplicava às Armas operacionais de Infantaria, Artilharia e Cavalaria. E assim era. Só em meados de Agosto houve conhecimento do seu completo teor. Até aí, bastou adivinhar qual o seu espírito para que aquele brinde fosse recebido de braços abertos.

Havia que explorar com sucesso o ”tremor de terra“ que tal diploma casou no seio dos capitães. E assim foi. O núcleo entrou em acção. Promoveram-se reuniões. Espalhou-se a palavra para os Capitães reunirem na Sala de Jogos do Clube Militar.

Confortou-se a “convocatória“ com a adesão por solidariedade (e não só) dos Capitães que mesmo não pertencendo às três Armas atingidas, deviam comparecer. Aconteceu a 17 de Agosto de 1973.

Era sábado, às 16h00, lá se encontraram mais de 30 capitães.

No espaço de oito dias, efectuaram-se mais três encontros realizados no Agrupamento de Transmissões.

Resultou dessas reuniões a decisão de endereçar uma “carta-protesto” ao Presidente da República, Presidente do Conselho, Ministro da Defesa e Exército, Ministro da Educação e Secretário de Estado do Exército. O grupo de trabalho, encarregado de escrever o texto da mesma, foi constituído pelo recém-promovido Major A. Almeida Coimbra, Capitães J. Teixeira Branco, M. Duran Clemente e C. Matos Gomes.

Com a data de 28 de Agosto a referida carta teve as assinaturas de quarenta e seis Capitães, recolhidas em Bissau e nas guarnições próximas (em 66 capitães possíveis em todo o território - CTI Guiné), às quais se juntaram ainda as de quatro subalternos (em estágio) e foram enviadas, por mão própria, através do capitão Ayala Botto, reforçando o envio por correio registado, para os destinatários a cinco de Setembro. O então Capitão Otelo Saraiva de Carvalho, pôs o seu serviço de secretariado em marcha para a tarefa de “bater a carta à máquina” em “stencil” (era assim, na ocasião, as fotocópias eram ainda raras). Igualmente se encarregou de comunicar aos Capitães, em serviço no interior, o seu conteúdo e explicar-lhes a atitude de protesto colectivo, como afirmação frontal do nosso descontentamento.

O Almeida Coimbra iniciou então o contacto com Hugo dos Santos (em Lisboa) de quem se passou a obter informação sobre o desenvolvimento dos acontecimentos na Metrópole.

Na sua primeira informação ficamos a saber que toda a actuação prevista aqui era fortemente tocada pela legalidade, pelo menos, aparentemente. Esta, e todas as informações que iam chegando, foram lidas nas reuniões de Capitães que começaram a realizar-se periodicamente e numa das quais, ainda em Setembro, é eleita a primeira Comissão do Movimento de Capitães (e que daria o nome ao Movimento)(1), constituída por Duran Clemente, Matos Gomes, Almeida Coimbra e António Caetano (que mais tarde seria substituído por Sousa Pinto, o quinto mais votado). O núcleo preparou a reunião. Matos Gomes que tinha vindo a Lisboa trouxera, no regresso, alguns exemplares do recente livro de Sottomaior Cardia “Para uma Democracia Anticapitalista”. Divulgou-se nessa reunião boa parte do seu conteúdo e o acto funcionou como campanha eleitoral. Valeu a eleição de dois capitães - os mais votados (Duran Clemente e Matos Gomes) - do referido “núcleo dinamizador” para a aludida comissão. E se dúvidas houvesse ficou claro como o esclarecimento político acrescentava “mais-valia” à vontade de revolta.

Entretanto soube-se da reunião de Évora/Alcáçovas (9 de Setembro) onde se encontraram mais de 130 oficiais do Q.P que subscreveram documento semelhante. Ficámos mais tranquilos porque a manifestação colectiva se alargava a quase 200 capitães e no continente a conspiração intensificava-se.

Foi deliberado que se desse conhecimento ao Comandante Militar da existência das reuniões. Achou-se que era melhor que soubesse pelos próprios capitães descontentes. Formalmente avançaram-se motivos profissionais como justificação. Ficou claro que só lhe era transmitido aquilo que se achasse conveniente. E assim aconteceu. Nessa primeira reunião e única que tivemos com o então Comandante Militar Brigadeiro Alberto Banazol (irmão do Ten. Cor. Luís Atayde Banazol) este saudou a atitude e deu-nos a devida autorização para reunirmos na Biblioteca do Quartel-General, instalada fora deste, no Batalhão de Intendência, situado em frente ao QG em Santa Luzia/Bissau. Assim e, acredita-se, distraidamente os capitães foram autorizados a conspirar...contra o sistema. Estará bem na lembrança (dos que tomaram parte numa destas primeiras reuniões já autorizadas e em Setembro) o papel da intervenção de Salgueiro Maia, vindo de Bula a Bissau de propósito para este encontro, foi exemplar ao dar-nos uma lição clarividente de como as nossas tropas se sentiam no mato, sem solução à vista. Foi um autêntico grito de ânimo e de estímulo para o Movimento prosseguir.

No entanto o Comandante Militar foi peremptório ao reprovar expressamente a manifestação colectiva que representou o envio e teor da carta-protesto subscrita em 28 de Agosto. Para mostrar aparente solidariedade com os capitães, foi ao ponto de os convidar para um lanche ajantarado em sua própria residência, o que veio a acontecer com a comparência da esmagadora maioria dos Capitães, então disponíveis em Bissau. Tal jantar teve um final conturbado pelas intervenções acaloradas, de Otelo Saraiva de Carvalho e de Duran Clemente, não só porque, à evidência de que as “altas esferas” estavam a deixar resvalar a Guiné, para um caso semelhante ao de Goa, Damão e Diu, o Comandante Militar Brigadeiro, Alberto Banazol respondia com evasivas. Bem tentou aproveitar-se da condição de anfitrião (e de máximo superior hierárquico no Exército) para nos anestesiar e adormecer com a retórica habitual e a fundamentação oficial do regime. A partir daí, o Comandante Militar nunca mais teve informações desta Comissão Coordenadora de Bissau, mais por desinteresse seu do que nosso. Não consta que se preocupasse muito com “os ventos fortes” que corriam. Talvez não nos tenha levado a sério ou lá no fundo estivesse connosco, como (até) suspeitávamos.

Convirá recordar que a 6 de Agosto de 1973 o Gen. Spinola regressara a Lisboa. Fim de missão, início de outros voos. Ficara célebre a sua frase de que “a solução na Guiné era política e não militar” enquanto Marcelo Caetano apregoava “prefiro um desastre militar a negociar com quem for”. O seu lugar de Governador e de Comando Chefe só seriam preenchidos em Setembro (dia 21) pelo General Betencourt Rodrigues. Este trouxe outra frase não menos infeliz e célebre “resistir até à exaustação dos meios”.

Três dias depois da sua chegada, a 24 de Setembro de 1973, o PAIGC declara unilateralmente a independência da Guiné-Bissau, em Madina do Boé (Gabu/sueste) de imediato reconhecida por 72 países. Ninguém, militar ou civil, ficou insensível a este acontecimento.

Através dos militares que gozavam férias na metrópole, ou dos que a esta voltavam por fim de missão (ou pelos que entretanto chegavam em início) ou ainda através de correspondência, já com linguagem um tanto codificada, as informações iam-se cruzando entre Bissau e Lisboa. O Hugo dos Santos passou a ser o “Pedro” e outros heterónimos deram à luz, por precaução, mais tarde justificada. A conspiração desenvolveu-se no sentido prioritário e fulcral de angariar o maior número possível de “adeptos para a causa do movimento”. Trabalhou-se sempre em ligação e sintonia com a “coordenadora” do Movimento de Capitães no continente. O trabalho de sensibilização e de informação foi sendo feito com método e sistema. Os resultados iam sendo, entretanto, muito gratificantes, na medida em que paulatinamente se foi conquistando para o nosso lado a maioria de Oficiais colocados em posições (de comando) estratégicas e essenciais para o que “desse e viesse”.

A Marinha aderiu em força. Com a sua tradicional organização (meticulosa e serena) dispôs as suas pedras com todo o cuidado e aceitou o repto. Destacaram Oficiais que passaram periodicamente a reunir-se connosco, para troca de informações e análise da situação. Inicialmente os 1ºs Tenentes Marques Pinto e Pessoa Brandão logo seguidos de Manuel Bouza Serrano, Pedro Lauret e Rosado Pinto. A Força Aérea destacou desde sempre os capitães Jorge Alves e Faria Paulino e depois Sobral Bastos e Albano Pinela (Paraquedista). Em Outubro há oportunidade de efectuar uma reunião com catorze oficiais pilotos-aviadores do Q.P. Acompanhado de Faria Paulino, Duran Clemente tem um debate/esclarecimento com os aviadores descoroçoados. Lá estava também o companheiro dele na viagem Lisboa/Bissau, o Pinto Ferreira. O trauma da bola de fogo do companheiro perdido estaria a transformar-se iluminando as consciências. Como é sabido as acções militares da Força Aérea estavam praticamente paralisadas depois de nos primeiros meses de 1973, seis aviões entre Fiat, T-G e DO 27, terem sido abatidos, após a introdução de mísseis terra-ar Strella, na equipagem do PAIGC. Nesta reunião com os Pilotos-Aviadores, ficámos com a sensação de que quase todos, se não mesmo todos, tinham aderido ao Movimento, ou pelo menos, não lhe eram hostis. No Exército contávamos, cada vez, com mais aderentes à medida que íamos, progressivamente, com maior segurança, alargando a malha de contactos e de informações e consolidando as estruturas organizativas por cada unidade operacional.

Paralelamente um movimento de Oficiais milicianos foi criado e acompanhou a actividade e iniciativas possíveis da contestação e conspiração do Movimento de Capitães. Como principais mentores e dinamizadores tinham (os ex-dirigentes das associação académica de Coimbra) agora os Alferes Milicianos Barros Moura, Celso Cruzeiro e o já referido capitão Miliciano José M. Barroso, reflectindo curiosamente três tendências politicas diferentes.

Os ânimos confortaram-se ainda mais à medida que da Metrópole iam chegando as notícias da evolução do processo. A partir de Dezembro começa-se a ver mais claro qual o sentido do Movimento, após as reuniões que na Metrópole apontavam para a mais que provável decisão de “pegar em armas” para derrubar a situação. A “profecia” que Jorge Sales Golias lançara como repto em Agosto (na primeira reunião -) ... “quem sabe se isto só se resolve pela via armada!??”…- que assustara alguns, estava mais perto de se realizar. Estavam os conspiradores convictos e preparados.

Também na Guiné foram conhecidas as três hipóteses, colocadas para reflexão (decisão) aos Capitães na reunião de Óbidos (1 de Dez) e Caparica (5 de Dez):

a. Conquista do poder para com uma Junta Militar criar no país as condições que possibilitem uma verdadeira expressão nacional;

b. Dar oportunidade ao governo de se legitimar perante a Nação através de eleições livres, devidamente fiscalizadas pelo Exército, precedidas de um referendo sobre a política ultramarina;

c. Utilizar reivindicações exclusivamente militares como forma de alcançar o prestigio do Exército e de pressão sobre o Governo.

Também soubemos, a seu tempo, da consequência do resultado do escrutínio e nele nos concentrámos para na Guiné dar o correspondente apoio como retaguarda e reforço.

A decisão de que na Guiné também optaríamos pela tomada de poder pelas armas já estava tomada há muito; daríamos no entanto a possibilidade à hierarquia militar no Comando Territorial Independente da Guiné/CTIG para se pronunciar. Quem não estivesse connosco seria devolvido a Lisboa. No caso de insucesso das operações do Movimento em Portugal a nossa estratégia era a tomada de poder na mesma. Teríamos esse trunfo para jogar na defesa das nossas convicções. Por outras palavras, constituir-nos-íamos numa grande pedra no sapato e dor de cabeça para o Governo Português, com uma Colónia sublevada. Para isso, tínhamos de ter o completo domínio do comando em todos os Sectores e Ramos das Forças Armadas instaladas no teatro de operações da Guiné. Iríamos ter.

Conseguiu-se ter, posição de força pronta a actuar, em todas as guarnições do CTIG. No final do ano de 1973 só nos faltava o Regimento de Paraquedistas que virá a aderir em Fevereiro de 1974, após o conhecimento do conteúdo do livro “Portugal e o Futuro” do General Spínola.

O Comandante do Batalhão de Paraquedistas, Major Mensurado, manda formar o Regimento. Faz uma palestra. Adverte os seus homens da eventual necessidade de terem de cometer uma acção de indisciplina a “Bem da Nação”. Declarou: “Quem não estiver de acordo deve dar um passo em frente”. Ninguém deu. Todos concordavam. Era a vontade dos Povos a mandar!

Mesmo assim, veio a Lisboa, com um delegado do Movimento, perguntar pessoalmente ao General Spínola se “avalizava” o seu procedimento. Regressou aliviado e mais feliz. E o movimento também, porque era uma unidade indispensável.

Antes, porém, houve de “travar” a ansiedade do Ten. Coronel Luís Atayde Banazol (que aqui e hoje sempre prestaremos homenagem pela sua atitude na reunião de Cascais em 24 de Nov. de 1973) e nas duas reuniões posteriores(2) e que ao chegar à Guiné, no final do ano de 1973, comandando o seu Batalhão – que estacionou uns dias (Janeiro/74 )na guarnição do Cumeré – antes de chegar ao seu destino (Bambadinca, perto de Bafatá) queria tornar o poder ocupando, em Bissau, o Palácio do Governo da Colónia. Após aturadas reuniões connosco “os jovens e pálidos Capitães da Guiné”, como refere num dos seus livros, conseguimos dissuadi-lo. Sobre isso o Jorge Golias muito teve para contar pois chefiou a delegação do Movimento que cumpriu a tarefa de o dissuadir. Tivemos oportunidade, mais tarde, de lhe prometer que seria dos primeiros a saber quando “ganhássemos”. E assim aconteceu. Foi imediatamente avisado na manhã de 25 de Abril.

Voltando aos primeiros meses do ano é de assinalar o seguinte e de forma resumida: estreitaram-se os contactos com Lisboa. Em Fevereiro Duran Clemente, vem a Lisboa para contacto com Vasco Lourenço em serviço numa unidade na Trafaria (Bat.Art). Nesse encontro foram actualizados os conhecimentos das situações. Mas da Guiné vinha um aviso firme dos seus capitães “…ou as coisas se resolvem em Portugal e depressa ou nós, capitães na Guiné, que temos tudo preparado para tomar conta da colónia, o faremos. Estamos mais que impacientes…não vamos depor as armas. Há vidas a defender. Mas tomaremos o poder e negociaremos…com quem for preciso”. Era sabido que o pessoal na Guiné estava com acentuado nervosismo, embora consciente mas impaciente, e isso tinha sido claramente clamado por Salgueiro Maia que, em Outubro antes, regressara a Lisboa e fora colocado em Santarém. Vasco Lourenço apelou para que tivéssemos serenidade e afiançou que a “acção” se daria antes do 10 de Junho. Foi esse o recado do Movimento de Capitães no continente que o mensageiro trouxe para o Movimento na Guiné.

Em 4 de Março avisámos Lisboa (Hugo dos Santos) de que os Majores Casanova Ferreira e Manuel Monje regressavam à metrópole no dia seguinte e estavam cheios de entusiasmo e algum voluntarismo. Denotavam extrema vontade de intervir. Haveria que dar o melhor enquadramento à sua dinâmica. Otelo distraiu-se do nosso aviso e ocorreu o 16 de Março. Como nota de rodapé esclareça-se que em finais de Dezembro, estes oficiais, com mais cinco oficiais superiores entre estes o Major Rodrigues Coelho, manifestam também adesão ao Movimento. Assinaram na nossa presença uma carta enviada ao General Spínola confortando a sua decisão e colocando-se ao seu dispor na mudança.

Marcelo Caetano continuava nas suas conversas em família a tentar convencer-nos de que se podia fazer turismo nas nossas “províncias ultramarinas”, mesmo na Guiné!!!

O semanário “Expresso” publica excertos duma dessas conversas em família lado a lado com retalhos do livro “Portugal e o Futuro” de António Spínola.

No princípio de Abril uma Delegação de Bissau ainda esteve com o Movimento em Lisboa e recebeu as últimas informações.

III - O 25 de Abril na Guiné e a tomada de poder

Na noite de 24 para 25 de Abril aguardámos (Major Monção Fernandes, chefe do CHERET, Duran Clemente e Faria Paulino) no Centro de Comunicações do Quartel General de Bissau o contacto telefónico programado com Lisboa. Não chegou. Uma das poucas acções de retaliação da dita “Legião Portuguesa” foi o corte do cabo telefónico - na Rua de S.Marçal/Lisboa - que servia a Guiné. No meio da nossa ansiedade lá fomos sabendo do que se passava através das agências noticiosas, France Press, Reuter e outras. Pouco a pouco as teleimpressoras foram ditando os acontecimentos e noticiando a “Alvorada de Abril” em “inglês”, “francês” e “português”. Exultámos. Pelas oito horas da manhã foram restabelecidos os contactos telefónicos com a capital. Imediatamente comunicámos a todos os membros da nossa coordenação o sucesso.

Aos nossos homens do Movimento colocados em todas as guarnições da Guiné, e que estavam há dias alertados, foram dadas pela Coordenação de Bissau a indicação de transmitirem aos comandos que ou aceitavam a nova “ordem nacional” ou eram imediatamente substituídos. O poder na Guiné era já e a partir daqui do MFA da Guiné. Muito poucos comandos foram afastados, pois nas guarnições a maioria eram supervisionadas por Capitães ou Majores aderentes ao Movimento quer nas próprias guarnições quer nos COPs (Comando Operacional) ou CAOPs (Comando de Agrupamento Operacional). Os contrariados, não aderentes “marcharam” para Bissau. Embarcariam para Lisboa dias depois.

Enquanto isso, propriamente no dia 25 de Abril, e em Bissau, já com todas as unidades submetidas ao Movimento, quer o Comando Chefe quer os Comandantes Militares, não tomaram posição de adesão ao mesmo. A PIDE /DGS não se manifestou pois não tinha qualquer força sem o apoio militar. As unidades colocaram-se em alerta, prontas a avançar: Batalhão de Comandos, Batalhão de Paraquedistas, Batalhão de Intendência, Grupo de Artilharia, Agrupamento de Transmissões e de Engenharia e outras. No dia 26, de manhã, avançou a Companhia de Polícia Militar, comandada pelo capitão Sousa Pinto, que tomou pacificamente as instalações do Comando Chefe dando apoio a uma delegação do Movimento, composta por alguns oficiais da comissão coordenadora (J. Golias, M.Gomes e P. Brandão) e sobretudo com oficiais de impacto, como os Comandantes do Reg. Comandos (Major Folques) e o do Reg.Paraquedistas (Major Mensurado) e bem assim do Tenente-coronel Mateus da Siva que decidíramos iria ser o representante provisório da JSN. Foi interpelado o Comando Chefe Gen. Betencourt Rodrigues, que entretanto reunira todos os seus oficiais e aos quais se dirigiu “vencido mas não convencido “. Ficou à nossa disposição e com outros oficiais que foram selecionados, como não tendo aderido aos novos ventos da história, foram “convidados” a seguir, uns dias depois, por avião para Lisboa.

O MFA, antecipando-se a procedimentos tomados no continente, colocou o Comodoro Almeida Brandão como Comandante-chefe (Interino) e, como já referido, o Tenente-Coronel Eng.Transmissões, Mateus da Silva, como representante “provisório” da JSN/Junta de Salvação Nacional, até 7 de Maio, quando chegou o Tenente Coronel Carlos Fabião.

De Bissau partimos junto dos quatro cantos da colónia para explicar aos militares o ponto de situação e consolidarmos a manutenção da disciplina e das novas hierarquias tendo por base as delegações do MFA. Estas, já em embrião, seriam constituídas por um capitão, um representante dos sargentos e outro das praças, militares a serem confirmados em eleições. Quisemos reforçá-la instituindo regras de democratização no seio do MFA e começando a editar poucos dias depois um Boletim do MFA com notícias e orientações militares. Foram também publicadas normas especiais para os procedimentos a ter em sintonia com a coordenação de Bissau. E assim evitámos problemas maiores de disciplina ou qualquer outra natureza.

IV- A Descolonização e reconhecimento da Independênciada Guiné-Bissau

Carlos Fabião, graduado em Brigadeiro passou a ocupar o topo da hierarquia militar e governativa na ainda oficialmente considerada “província ultramarina”. Desde a sua chegada, Carlos Fabião, surpreendentemente e contra o que se esperaria dum oficial tido como “spinolista”, não mais deixa de colaborar com os militares do MFA local. Talvez se surpreendesse porque ao chegar a Bissau, ainda no aeroporto e num discurso de circunstância declarou à rádio: “por uma Guiné melhor num Portugal renovado”. Acossado pelos “capitães de Abril” (MFA-Guiné) na viagem e ainda na chegada ao Palácio do Governo, após acesa discussão connosco, acabaria por reconhecer que se enganara e queria ter dito: ”por uma Guiné melhor e um Portugal renovado”. A sintonia, iniciou-se logo depois deste episódio marcante. O MFA local constituído em Comissão Coordenadora, agora mais alargada, já integrava também oficiais da Armada e Força Aérea. Constituíam-na, da primeira hora, os Major Almeida Coimbra, Capitães: Jorge Golias, Duran Clemente, Matos Gomes e Sousa Pinto, com os oficiais da Armada, os Primeiros-Tenentes: Pessoa Brandão, Marques Pinto, Bouza Serrano e Rosado Pinto e com os Capitães da Força Aérea: Faria Paulino, Jorge Alves, Sobral Bastos e Albano Pinela. Ficaram permanentemente no gabinete do Governador Jorge Golias pelo Exército, Faria Paulino pela Força Aérea e Pessoa Brandão pela Marinha. No fundo esta comissão alargada, era constituída pelos militares, que desde Setembro de 1973 tinham operado e dirigido clandestinamente todas as acções. Do movimento de Milicianos, que se erguera paralelamente com o desenvolvimento do MFA, intitulado de “Movimento Para a Paz”, apraz destacar a importante contribuição de Barros Moura e de Celso Cruzeiro (Advogados e Alferes Milicianos) na colaboração para soluções e acções subsequentes e na assistência também ao novo Governador.(3)

Todos os fins de tarde e durante mais de duas horas havia reunião com Carlos Fabião no Palácio do Governo. E isto perdurou bastante tempo mas muito aprendemos sobre os meandros da colónia trespassada a pé por aquele brioso oficial superior. Tinha sido instrutor de muitos guerrilheiros, enquanto militares das nossas tropas. Dominava à vontade o “crioulo” e conhecia o terreno palmo a palmo.

Um dos primeiros problemas que tivemos de resolver, em paralelo com a libertação dos presos políticos, foi a detenção, mas também segurança, dos membros da PIDE, perante as ameaças de linchamento pela população. Houve manifestações e ameaças mas conseguiu-se controlar a justa causa popular colocando-os a salvo e guardados no Campo de Instrução Militar do Cumeré a quilómetros da capital. A JSN/Junta de Salvação Nacional queria que fossem integrados nos serviços de informações militares, o MFA na Guiné entendeu não haver condições para tal.

O jornal do sistema “A Voz da Guiné” e a sua empresa editora passaram a ser geridos por oficiais do MFA (Duran Clemente e Jorge Alves) e constituiu um excelente meio de esclarecimento ao longo de cinco meses, mudando de cor e de conteúdos.

No plano político aguardava-se que o General Spínola, o novo Governo português e o MFA nacional desbloqueassem a questão delicada de a Guiné-Bissau já se ter autodeclarado independente em 24 de Setembro de 1973. Felizmente as operações no mato foram suspensas depois do PAIGC estar certo das intenções revolucionárias do MFA. E não tardou muito que no ainda escaldante teatro de operações os antigos inimigos de armas começassem a festejar, em conjunto, o fim da guerra e a libertação.

Face às hesitações de Spínola, Carlos Fabião não receia ter um encontro clandestino com acreditados representantes do PAIGC. Encontros realizados em plena mata do Cantanhês guineense e que foram o advento do que acabaria por ser decidido. Foi um gesto patriótico pois não mais se entenderia que houvesse mortos após a alvorada de Abril.

O General Spínola teimava em deslocar-se a Bissau na esperança de realizar um dos seus Congressos do Povo. Chegou a enviar-nos mais de 20 mil cartazes/fotografias suas. Acabou por ser contrariada tamanha insensatez. No entanto enquanto pôde gastou todas as suas munições contra o MFA da Guiné. O General mandou encerrar o jornal Voz da Guiné por não lhe agradar a linha editorial. Carlos Fabião não obedeceu a essa orientação. O General expulsou, em Agosto, um prestigiado jornalista (Joaquim Letria) da RTP por este ter feito uma entrevista (a Duran Clemente, Jorge Alves, Barros Moura e Rosado Pinto) que passara entretanto na televisão nacional com enorme audiência. O General chamou a Lisboa estes oficiais e os que considerava mais perigosos para serem ouvidos e repreendidos. Carlos Fabião só permitiu a deslocação a Jorge Golias, Jorge Alves, Bouza Serrano e Barros Moura. Vieram e enfrentaram Costa Gomes (CEMGFA). Este perante a excelente argumentação apresentada, sobretudo por Barros Moura, decidiu mandá-los regressar em paz a Bissau para cumprir a missão.

Entretanto tinham decorrido os encontros de Dakar (16 de Maio/74), de Londres (25 a 30 de Maio/74) e de Argel (14 de Junho/74), entre delegações portuguesas e da Guiné-Bissau, ao mais alto nível e acompanhadas de oficiais do MFA nacional. Melo Antunes, acompanhado de Almada Contreiras e Pereira Pinto, vai a Bissau e tem reuniões preocupantes connosco; isto no princípio de Junho. Depara-se com a manifestação do nosso desagrado por não termos sido convidados para as reuniões essenciais de Dakar, Londres e de Argel. Enfrenta a nossa ainda mais forte resistência por não entendermos a dificuldade do reconhecimento “oficial de jure” da independência de uma nação já independente e reconhecida por cerca duma centena de países. A situação era “kafkiana”! Em Bissau realizou-se, em 1 de Julho, uma Assembleia com mais de mil militares afectos ao MFA, em que foi aprovada uma moção “exigindo o reconhecimento imediato da independência da Guiné e a preparação da transferência de poderes”. Mas esta nossa pressão e a, não menos válida, de todas as entidades progressistas, nacionais e internacionais, acabaram por ter o seu efeito com a difícil promulgação da Lei 7/74 de 27 de Julho pelo então PR, que acabará por clarificar o Programa do MFA e reconhecer o direito das colónias à independência, derrogando o artigo 1º da Constituição Política de 1933. Em 4 de Agosto é publicado o importante comunicado conjunto Portugal - ONU sobre a descolonização das colónias portuguesas. Para além do compromisso do governo português na cooperação com as Nações Unidas (ponto 1), na reafirmação do reconhecimento à auto determinação e independência de todos os territórios ultramarinos …comprometendo-se a garantir plenamente a unidade e integridade de cada território… (ponto 2), no concernente à Guiné, no seu ponto 3), a) “O Governo português está pronto a reconhecer a República da Guiné-Bissau como Estado independente e está disposto a celebrar imediatamente acordos com a República da Guiné-Bissau para a transferência imediata da administração; b) Nestes termos, dará completo apoio ao pedido de admissão da Guiné-Bissau como membro das Nações Unidas (…). Nos restantes pontos são individualizados os compromissos relativamente à autodeterminação e independência de cada uma das restantes colónias. Em 30 de Agosto é homologado o acordo de Argel assinado com o PAIGC.

Finalmente em 10 de Setembro é assinada pelo PR, acompanhado pelo Governo de Vasco Gonçalves e pelo MFA nacional, a declaração do reconhecimento “de jure” do Estado da Guiné-Bissau.

Na Guiné tudo se foi planificando em perfeita harmonia e diálogo com o PAIGC. Este foi nomeando os seus interlocutores para a concretização dos actos de transferência operados em Agosto e Setembro de forma faseada. As transmissões de poderes foram feitas, região a região, e decorreram sem incidentes e com a maior das dignidades até 15 de Outubro, data do regresso de Carlos Fabião (e das nossa ultimas tropas) a Lisboa. Nesses meses, também o regresso dos nossos militares, por avião ou barco, foi devidamente planeado e concretizou-se sem qualquer atrito. Os poucos portugueses e outros, sobretudo comerciantes libaneses, com vida firmada na colónia nela continuaram. Não obstante alguns ligeiros actos de perturbação pouco sentidos, com raízes nas diferenças étnicas e na reivindicação de grupos políticos a um estatuto igual ao PAIGC que lutara onze anos, nada de gravoso se passou, sempre com o nosso controlo e a melhor das colaborações dos altos dirigentes do PAIGC que se iam apresentando nas cidades transferidas e em Bissau. Destacam-se Juvêncio Gomes (futuro comissário da câmara de Bissau), Manuel dos Santos (Comissário da Informação), Barros, A. Alcântara Buscardine (Comissário da Segurança) e Comandante Julinho (Comissário Militar) para além dum grupo de jovens simpatizantes do PAIGC, constituídos na CJUP, que nos ajudaram na capital.

Em 24 de Setembro deste ano de 1974, o PAIGC, com notável esforço de organização, comemorou o seu primeiro ano de Independência, em Madina do Boé, com a presença de centenas de convidados, num grandioso desfile de diversas organizações internas do PAIGC, cerimónia inesquecível a que alguns de nós (capitães de Abril) assistiríamos como convidados. Para além do Presidente da OUA, Organização da Unidade Africana, estiveram presentes Presidentes ou representantes de vários Estados Independentes Africanos e bem assim delegações amigas de países ou de organizações políticas cujas intervenções ecoaram a um sublime grito de Libertação. Por Portugal esteve Almeida Santos (PS), Jorge Campinos (PS), Dias Lourenço (PCP), Carlos Fabião (Governador/JSN) e Hugo dos Santos, Duran Clemente e Faria Paulino representando o MFA. Entre outros presentes, é digno também destacar, o investigador e musicólogo Michel Giacometti.

Na sala redonda da construção localizada no preciso sítio da declaração de independência, um ano atrás, tendo por pano de fundo uma enorme fotografia de Amílcar Cabral, realizou-se uma conferência de imprensa dada por Manuel dos Santos, comissário da informação, e por Luís Cabral, Presidente do Estado da Guiné Bissau.

Nessa tarde, de céu quente mas transparente, as pequenas aves africanas desenharam, com nitidez, lá no alto: “Cabral ka muri” (Cabral não morreu).

E nós destaparemos esta e outras memórias com a Liberdade de Abril e do nosso Abril de sempre!

“Regressámos a Lisboa em 29 de Setembro de 1974 e integrámos de imediato a 5ª Divisão do EMGFA, assim como aconteceu ou aconteceria com Jorge Alves, Bouzas Serrano e Jorge Golias. Missão Cumprida” é o último apontamento, rabiscado nas folhas amarelecidas do tempo eterno: passado, presente e futuro, guardadas pelo subscritor deste texto de muitos dos factos vividos na primeira pessoa.


Notas de rodapé:

(1) Movimento de Capitães, ver declaração de Vasco Lourenço, “… na Guiné, ter sido feito um documento assinado por cinquenta e um oficiais e enviado para «cima». Aliás, é aí que nasce a denominação Movimento dos Capitães” (nº112-Referencial). (retornar ao texto)

(2) Ver “Uma pedrada no charco” em Folha Informativa nº 4 da ACR de Janeiro de 2014: “Na noite de 24 de Novembro de 1973, quarenta Capitães de Abril, reuniram-se numa casa em São Pedro do Estoril. Um momento que em particular incendiou de forma irreversível o MFA foi a intervenção do Tenente Coronel Luís Atayde Banazol. Reproduzimos o que merece registo histórico: “… creio que estão a perder o que têm de bom: energia e tempo, organização e vontade.”… “O que vocês estão e todos nós, é agonizantes”…“Estrangulados por um regime que nos conduz para o abismo, para a derrocada, como o têm feito todos os regimes fascistas…” “…é preciso acabarmos de vez com a maldita guerra colonial, que nos consome tudo…, incluindo a própria dignidade de militares profissionais de uma país civilizado, lançados, por um tenebroso conluio, hipócrita e assassínio”...“E nós, que representamos a força das armas, por que esperamos?”… “vemos todos os dias exemplos de coragem dos universitários que desarmados, enfrentam a polícia de choque, e não deixam amortecer um só dia a luta pela Liberdade.” “Impõe-se a Revolução Armada desde já, seja qual for o seu preço e as suas consequências.” (retornar ao texto)

(3) Não obstante a acção corajosa e correcta destes oficiais do MFA da Guiné a nenhum deles foi atribuída a Ordem da Liberdade. Mesmo Carlos Fabião só passados 30 anos (em 2004) recebeu esta distinção (retornar ao texto)