Indice do Livro Conquistas da Revolução
Tal como referimos nas primeiras páginas apresentamos a seguir depoimentos desenvolvidos por dirigentes da ACR/Associação Conquistas da Revolução sobre temas relacionados, quer com a luta antifascista, próxima do 25 de Abril, quer sobre outras questões pouco referidas nos diplomas legais cuja divulgação, 40 anos depois, nos apraz reforçar.
Imediatamente após o 25 de Abril de 1974, era admissível que existisse uma certa perplexidade, senão desconfiança, relativamente ao papel dos militares na Revolução, atendendo a que num passado recente, aparecia como um dos sustentáculos do regime, devido ao seu envolvimento na Guerra colonial.
Por outro lado, emergia um amplo movimento de clubes, associações e grupos de civis que há muito combatiam o regime fascista em diversas frentes, nomeadamente no campo cultural.
Entretanto, os militares eram cada vez mais solicitados a dirimir questões laborais em empresas situadas próximo das respectivas unidades. Com a ocorrência do golpe contra-revolucionário de 28 de Setembro de 1974 e a queda do General Spínola que sempre se opôs a que os militares saíssem dos quartéis, estavam criadas as condições para enviar as forças armadas para o terreno, juntamente com os civis, envolvidos no objectivo geral de em conjunto, construírem a revolução com um suporte cultural considerado indispensável.
Em 25 de Outubro de 1974, numa conferência de Imprensa na Biblioteca do Palácio Foz, é anunciado o início das campanhas de dinamização cultural, sob a coordenação de uma direcção militar, a Comissão Dinamizadora Central (CODICE), integrada na 5ª Divisão do EMGFA, composta por nove oficiais, três por cada Ramo das Forças Armadas e da Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, subordinada ao Ministério da Cultura.
No entanto, devido à criatividade e determinação de Ramiro Correia, 1º tenente médico naval - primeiro coordenador da CODICE, até 20 de Junho de 1975 quando tomou posse da chefia da 5ª Divisão do EMGFA, tendo sido substituído pelo cap.ten EMQ Manuel Begonha - a direcção destas campanhas passou progressivamente a ser efectuada pelas Forças Armadas.
Para a respectiva execução foram então definidos os seguintes objectivos:
1. Divulgar e esclarecer o programa do MFA
2. Esclarecimento sobre o acto cívico de votar
3. Movimentar as FA’s nas zonas fronteiriças e interiores, como demonstração que o 25 de Abril, tinha dimensão nacional e desencorajar tentações da Espanha franquista de intervir militarmente devido à existência do Pacto Ibérico.
4. Credibilizar perante o povo português, a disciplina, coesão e capacidade das Forças Armadas, lançando no terreno forças especiais (Fuzileiros, Comandos e Paraquedistas) bem equipadas, uniformizadas, preparadas e enquadradas, bem como cadetes das escolas militares.
5. Demonstrar que o MFA não era apenas constituído por oficiais, mas igualmente por sargentos e praças.
Nesta fase inicial e preparatória, propuseram-se deslocações de elementos da CODICE ao Porto, Coimbra e Faro para divulgação, junto às autoridades civis e militares e também da Igreja, dos objectivos das campanhas.
Todas as campanhas obedeciam a directivas e eram suportadas por textos de apoio onde se registou claramente que as Forças Armadas eram apartidárias, mas não apolíticas, para melhor conhecimento dos costumes, tradições linguagem e cultura dos locais a visitar, procedia-se a uma formação prévia dos militares integrantes das campanhas, no Centro de Sociologia Militar, adstrito à 5ª Divisão.
Numa 1ª fase as campanhas percorriam uma determinada área, dispondo de forças militares especiais e de meios de animação cultural. Como exemplos mais marcantes referimos:
- Operação Distrito da Guarda (25NOV-7DEZ 74), coordenada pela EPAM, com a participação do Grupo de teatro “A Comuna”, da “Orquestra Gulbenkian” e a banda militar “Alerta está” e projecção de filmes;
- Operação Nortada (Trás-os- Montes, 9 -18 JAN 75) com o Batalhão de Comandos e os Grupos de teatro “A Comuna” e “La Quadra” (espanhola) e projecção de filmes;
- Operação Castelo Branco (23JAN-2FEV 75) com os Grupos de teatro “Os Bonecreiros”, ”Teatro Português de Paris, “La Quadra” e a banda militar “Alerta está”. Foi ainda desenvolvida uma vasta acção de levantamento de carências locais por equipas de médicos, engenheiros, agrónomos, economistas e veterinários dos três ramos das Forças Armadas;
- Operação Verdade( Alto Minho, 31JAN-9FEV) com paraquedistas e o Grupo de teatro “A Comuna” e o Conjunto musical “Boinas Verdes” da Força Aérea;
- Operação Atlântida (Açores, 1-20MAR 75), com Grupos de teatro, marionetes e orquestra ligeira com envolvimento de militares dos 3 Ramos das FA’s;
- Maio-Nordeste (Distrito da Guarda, Maio a 8 de OUT 75), na qual foram integrados meios humanos e materiais, decorrentes da existência de Gabinetes de apoio, entretanto criados.
A dificuldade na obtenção de meios, especialmente máquinas de engenharia disponíveis em várias unidades militares, começou a constituir um entrave à construção de infraestruturas para a população mais necessitada, reflectindo as contradições já existentes a nível do MFA - Forças Armadas e MFA - aparelho de Estado.
A retirada desta campanha consumou-se devido às pressões verificadas pelo comando da Região Militar Norte, tendo sido a última até ao 25 de Novembro.
Ficou por iniciar uma grande campanha no Alentejo prevista para Agosto e Setembro, destinada ao reforço da Reforma Agrária, garantindo as sementes e os adubos às Cooperativas Agrícolas e o fornecimento de técnicos de contas, agrónomos e meios de engenharia civil para o levantamento de barragens de terra.
Para além destas campanhas desenvolveu-se ainda um conjunto de intervenções em vários países com militares apoiados pela Secretaria de Estado da Emigração, nomeadamente na França, Holanda, Luxemburgo, Alemanha, Inglaterra, Bélgica e Suiça, com a participação dos “Coros da Academia dos Amadores de Música” e da “Companhia de Teatro Rafael de Oliveira” e do Sector de artes plásticas da CODICE.
Apesar do esforço despendido, verificou-se existir uma fácil recuperação das forças contra-revolucionárias, após a passagem dos meios disponíveis nas campanhas, pelo que se decidiu aproveitar as unidades militares de quadrícula espalhadas pelo território nacional, para arrancar com a 2ª fase que implicava fixar militares no terreno, privilegiando-se assim os contactos locais em prejuízo de um processo mais itinerante.
Deste modo, foram constituídas Comissões Dinamizadoras Regionais e Distritais e Sub-Comissões. Este tipo de campanha permitiu intervenção em todo o país, desenvolvendo actividades com a população local, tais como:
- Acções no campo da veterinária, destacando-se o combate à brucelose;
- Criação de jardins e parques infantis;
- Electrificações;
- Execução de pinturas murais;
- Construção de estradas e caminhos, saneamento básico;
- Apoio médico sanitário como a lotação e apetrechamento em meios materiais de hospitais no distrito de Viseu com médicos militares;
- Apoio à Agricultura, planos de rega e barragens de terra;
- Fomento desportivo com a construção de recintos desportivos;
- Criação de Grupos de Teatro;
- Apoio a centros culturais, cine clubes e artes plásticas com cedência de diversos materiais como máquinas de filmar, tintas, etc.;
- Dinamização de organizações populares;
- Acções nos campos da Agricultura e Pescas em colaboração com o IRA, SADA e outros organismos da Reforma Agrária e formação de cooperativas de pescadores;
- Apoio técnico a Cooperativas e Comissões Liquidatárias de Grémios da Lavoura;
- Colaboração no projecto da Rede Nacional de Frio;
- Edição de pequenos manuais sobre electrificação.
Como exemplo relevante desta fase das campanhas, destaca-se a levada a cabo no Distrito de Viseu, focada em Sernancelhe e Castro de Aire que realizou um pouco de todas as acções acima descritas, tendo sido iniciada em 19 de Março de 1975. Face ao volume e qualidade dos trabalhos realizados e em curso, apenas terminou em Abril de 1976, já com a 5ª Divisão do EMGFA em reestruturação e a CODICE extinta.
Finalmente e para estruturar os meios a gerir as campanhas no terreno e para recolher e tratar os dados fornecidos, entrou-se na 3ª fase que implicou o desenvolvimento da Acção Cívica, com a constituição de Gabinetes de Apoio, englobando e reorganizando o controlo das várias actividades algumas delas em funcionamento desde o início, como a literatura, música, teatro, cinema e artes plásticas.
Eram os seguintes os Gabinetes de Apoio:
- Apoio cultural - meios de animação e dinamização cultural;
- Apoio exterior - emigração e novos países africanos;
- Comunicação - artes plásticas, imprensa, fotografia, Rádio e TV;
- Apoio às Campanhas - logística e pessoal.
Estes Gabinetes dispunham de dezenas de técnicos, especialmente oficiais milicianos com licenciaturas que trataram e encaminharam centenas de relatórios provenientes das várias Comissões Dinamizadoras. Durante a restruturação da 5ª Divisão e numa época revanchista após o 25 de Novembro, toda esta documentação muitíssimo útil foi mandada queimar, juntamente com várias colecções dos boletins do MFA.
Entre campanhas de dinamização, sessões públicas e de esclarecimento e intervenções em empresas, cobrindo todo o país, foram efectuadas mais de 10000 iniciativas.
Na falta de apoio fornecido pelas unidades militares, a prática comum era comer e dormir onde possível, até no chão, algumas vezes tornado necessário.
Para os que intervieram neste processo viveu-se uma experiência de galvanização e de esperança irrepetível. Centenas de criadores, dos mais relevantes existentes em Portugal, desde os artistas plásticos, escritores, actores, artistas de circo, músicos, bailarinos, cantores, cineastas a jornalistas, deram o seu melhor contributo à Revolução cobrindo este país de cartazes, murais, tarjetas, livros, representações e todas as formas de elevação cultural e cívica do povo que não poderão ser esquecidas.
A 26 de Novembro de 1975 a Comissão Dinamizadora Central foi extinta.
Os militares que representavam a CODICE e os que se empenharam nas unidades militares e nas campanhas para levar o programa do MFA até ao fim, foram exilados, presos, licenciados ou enviados à situação de onde haviam sido requisitados.
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Relacionado com este tema não podemos deixar de assinalar o importante papel desempenhado pelos militares que a seguir referimos.
O Primeiro-tenente M.N. Ramiro Correia, cuja memória a nossa Associação recentemente homenageou, foi um dos activistas destacados da Dinamização Cultural. Colocado na Junta de Salvação Nacional colabora com o Conselho de Cultura e Espectáculos. Integrado na 5ª Divisão do EMGFA veio a fazer parte do Conselho da Revolução. Chefiou, por fim, a referida 5ª Divisão do EMGFA.
Autor do livro “MFA e luta de classes” e co-autor do livro “MFA-Dinamização Cultural e Cívica”
O Coronel Varela Gomes, associado da ACR, figura destacada da resistência anti-fascista e operacional responsável pelo designado Golpe de Beja, foi, no pós-25 de Abril, Chefe da 5ª Divisão do EMGFA e um dos militares mais activos e empenhados no processo pela luta das conquistas da revolução e da sua defesa, bem como da Dinamização Cultural e, ainda, da criação das bases dum “Centro de Sociologia Militar”.
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